Mulheres invencíveis: Clarice Lispector, a escritora que marcou o século XX

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  • Tayla Pinotti
 Clarice Lispector

Com obras muitas vezes descartadas durante sua vida porque eram vistas como incompreensíveis, atualmente, não é exagero dizer que os livros de Clarice Lispector são tão famosas a ponto de serem encontrados até mesmo em máquinas de venda automática em estações de metrô.

Considerada uma das maiores escritoras do século XX, quando ainda era criança, Clarice enviou alguns de seus contos para a página infantil do Diário de Pernambuco, mas, de acordo com o jornal, não foram publicados porque continham apenas sensações.

“Não escrevo para fora, escrevo para dentro” é uma das clássicas frases da escritora, que era dona de uma linguagem poética e inovadora. Apesar de não recordar nenhum movimento e ter um estilo muito próprio, pertence à terceira fase do modernismo brasileiro.

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Sua visão artística transcende tempo e lugar e seus personagens quase sempre estão em situações elementares de crise, promovendo uma literatura intimista que promove verdadeiros mergulhos no pensamento e na condição humana.

Uma das marcas de sua literatura é o uso da epifania, que acontece nos momentos em que alguma das personagens – que costumam ser do sexo feminino – enfrentam uma revelação ou uma tomada de consciência diante de um fato do cotidiano.

Por outro lado, Clarice viveu uma vida discreta e tinha uma personalidade enigmática. Justamente pelo vazio de informações, se tornou uma espécie de lenda brasileira, posto que segue atual mesmo já havendo uma série de biografias da escritora.

Infância, adolescência e faculdade de direito

Clarice Lispector nasceu em 10 de novembro de 1920 na aldeia de Chechelnyk, na Ucrânia. Registrada como Chaya Pinkhasovna Lispector, a escritora só passou a se chamar Clarice aos 2 anos de idade, quando chegou ao Brasil junto com a família e todos os nomes russos foram substituídos por brasileiros.

De origem judaica, seu nascimento aconteceu enquanto sua família – pai, mãe e irmãs – se preparando para fugir do país onde estavam devido à violência e a constante perseguição antissemita. Foi apenas em 1922 que os Lispectors conseguiram passaportes válidos para o Brasil e mudaram-se para Maceió.

Em busca de uma condição de vida melhor, no ano de 1925, a família se mudou de Alagoas para Recife. Lá, aos 7 anos de idade, Clarice aprendeu a ler e a escrever e, não muito tempo depois, já havia escrito alguns contos – incluindo o que teria sido rejeitado pelo jornal.

Em 1930, quando tinha 9 anos, a mãe da escritora falecera em decorrência da sífilis que havia contraído depois de ter sido estuprada por um grupo de soldados russos. Em homenagem à falecida mãe, Clarice compôs sua primeira peça para piano.

Há quem diga que, de alguma forma, a escritora sempre se sentiu culpada por não conseguir ajudar a mãe, mas que foi justamente esse sentimento de culpa que marcou sua vida e sua criatividade como escritora.

Por volta dos 12 anos, quando cursava o quarto ano do ginásio, a família toda mudou-se para o Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca. Graças a seu pai, Pedro Lispector, que sempre quis proporcionar o melhor às filhas, Clarice foi muito além nos estudos, mais do que era habitual mesmo para as meninas mais ricas da cidade.

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Depois de terminar o ginásio, a escritora ingressou na Faculdade Nacional de Direito, que era considerada um dos redutos na elite, além de ser um lugar onde não entravam judeus e haviam apenas outras 3 mulheres. De acordo com Clarice, sua ideia era estudar advocacia para reformar as penitenciárias.

No ano de 1939, a escritora trabalhava como secretária em um escritório de advocacia e em um laboratório, mas também já atuava fazendo traduções de textos científicos para revistas. Em 1940, percebeu que seu interesse por direito diminuía, enquanto o por literatura só aumentava.

Não coincidente, no mesmo ano, publicou seu primeiro conto conhecido, chamado de Triunfo, na revista Pan. Nele, Clarice descreve os pensamentos de uma mulher abandonada por seu companheiro.

Infelizmente, também em 1940, seu pai falecera depois de passar por uma cirurgia na vesícula biliar e Clarice foi morar com a irmã mais velha, que era era casada e vivia em um pequeno apartamento com o marido.

Jornalismo e primeiras obras

Insatisfeita com o trabalho de escritório, Clarice decidiu ingressar no jornalismo e passou a andar pelas redações de revistas oferecendo seus contos. Na época, a imprensa era estritamente censurada e apenas alguns periódicos podiam circular.

Um deles se chamava “Vamos Ler!” e, ainda em 1940, Clarice conquistou a atenção do jornalista Raimundo Magalhães Júnior e do ministro de Propaganda, Lourival Fontes e teve seu conto “Eu e Jimmy” publicado.

Lourival Fontes também foi o político responsável por dar o cargo de tradutora na Agência Nacional, uma agência de notícias do governo, à Clarice. Como não a vaga para tradutor não existia, foi designada como editora e repórter, a única mulher ali que ocupava esse cargo.

Já em 1941, foi enviada à várias viagens como repórter e publicou textos em periódicos de diversos lugares. No mesmo ano, também publicou o artigo “Onde se Ensinará a Ser Feliz” no periódico paulista Diário do Povo, sobre um evento presidido pela primeira-dama Darcy Vargas, esposa do então presidente Getúlio Vargas.

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Também foi graças à Agência Nacional que Clarice conheceu Lúcio Cardoso, um escritor e jornalista mineiro por quem chegou a desenvolver uma paixão não-correspondida, já que ele era homossecual. Os escritores, porém, passaram a ser grandes amigos, o que rendeu à Clarice ótimas possibilidades profissionais.

Foi graças a Cardoso, por exemplo, que a jornalista passou a frequentar o grupo de amigos composto por literatos como Vinicius de Moraes, Cornélio Pena, Rachel de Queiroz e Otávio de Faria e que se encontravam no bar Recreio, na Cinelândia.

Em 1941, quando tinha apenas 21 anos, transferiu-se para a redação do jornal “A Noite”, cuja redação era dividida com a “Vamos Ler!”. Em março do mesmo ano, começou a planejar seu primeiro romance, que recebeu o nome de “Perto do Coração Selvagem”. Ele foi recebido com furor no meio literário e, além de muitos elogios, também recebeu diversas comparações.

Foi após a publicação que o processo de “mitificação” da autora teve início, já que rolaram diversos boatos de que Clarice era apenas um pseudônimo para um escritor famoso. Perto do Coração Selvagem ganhou o Prêmio Graça Aranha de melhor romance do ano.

Casamento, mudanças e fim da vida

Durante o curso da faculdade de direito, Clarice conheceu Maury Gurgel Valente. Ela e o colega universitário iniciaram um romance e ansiavam por se casar. No entanto, Maury era um diplomata brasileiro e a legislação da época não permitia que ele se casasse com uma estrangeira.

Clarice obteve a naturalização em janeiro de 1943 e 11 dias depois, casou-se com Maury em uma cerimônia civil. No mesmo ano, ambos se formaram na faculdade de direito, mas nenhum deles compareceu à colação de grau.

A vida diplomática de Maury fazia com que o casal vivesse viajando. Em pouco tempo, eles visitaram pelo menos 5 países. Clarice continuou escrevendo e, em 1946 publicou “O Lustre”, seu segundo romance e também seguiu produzindo contos que seriam publicados no jornal carioca A Manhã.

Em 1948, morando na Suíça, foi que Clarice e Maury tiveram seu primeiro filho, Pedro, que ganhou um irmão – Paulo – 6 anos depois, nascido nos Estados Unidos. Apesar de ter se casado e de ter tido filhos, a escritora passou longos 15 anos numa vida considerada tediosa.

Longe de seu país, de sua família, da sua profissão como jornalista e com um filho esquizofrênico que ficava nervoso a cada mudança da família, Clarice voltou ao Brasil em 1959 e se divorciou de Maury após inúmeras viagens.

Morando no Rio de Janeiro, a escritora dedicou parte de sua produção aos contos e passou a assinar a coluna Correio Feminino – Feira de Utilidades, no jornal carioca Correio da Manhã, sob o pseudônimo de Helen Palmer. No ano seguinte, assumiu a coluna Só para mulheres, do Diário da Noite, como ghost-writer da atriz Ilka Soares.

Nos anos seguintes, publicou alguns de seus livros principais, como Laços de Família (1960), A Paixão Segundo G.H. (1964) e Água Viva (1973). No final dos anos 60 e começo dos 70, Clarice se dedicou a escrever livros infantis e algumas traduções de obras estrangeiras.

Em 1967, por exemplo, publicou “O Mistério do Coelhinho Pensante”. Neste mesmo ano, a escritora provocou, involuntariamente, um incêndio ao dormir deixando seu cigarro aceso. Ela precisou passar por diversas cirurgias e precisou ficar hospitalizada por dois meses.

Em 1976, pelo conjunto de sua obra, Clarice ganhou o primeiro prêmio do 10º Concurso Literário Nacional de Brasília. Já em em 1977, escreveu “A Hora da Estrela”, sua última obra publicada em vida e que fora escrita no verso de cheques e em maços de cigarro. O livro fala de uma moça que, assim como ela anos antes, migra do Nordeste para o Rio.

Pouco tempo após a publicação dessa, que foi uma de suas maiores obras, Clarice Lispector precisou ser hospitalizada mais uma vez devido a um câncer de ovário detectado tarde demais. A doença já havia se espalhado e no dia 9 de dezembro de 1977, um dia antes de seu 57° aniversário, a escritora faleceu deixando um enorme legado para a literatura brasileira.

Clarice Lispector mulher inspiradora
Agora que você conhece a história da escritora Clarice Lispector, que tal inspirar os pequenos dando a eles (ou à elas) um desenho de colorir? Divirtam-se!


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